Blogue do Maia de Carvalho

POR TRÁS DE CADA GRANDE FORTUNA HÁ UM CRIME. Honoré de Balzac

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Textos sobre o aborto VIII

Interrupção Voluntária da Apatia!




«A propósito do referendo que se aproxima gostaria de reflectir um pouco com os leitores sobre o assunto, na qualidade de médico pediatra e neonatologista e de cidadão.

Como profissional que se dedicou anos a fio a salvar crianças que nasceram com 24 semanas ou mais de gestação, ocorre- me pensar nos milhões de euros que se gastaram e se gastam por dia para apetrechar e fazer funcionar todas as Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN). Penso na batalha que foi ganha e penso nos meninos e meninas que conheço que não existiriam não fosse a existência das UCIN eo empenho 24 horas por dia dos seus profissionais. O mesmo Estado que investiu em tudo isso prepara-se agora para investir mais uns tantos milhões na criação de serviços condignos para interromper a vida a fetos de 10 semanas sem qualquer justificação clínica ou sociológica. Temo que, muito ao nosso jeito hipócrita de viver, não vão ser só os fetos até às dez semanas que vão ser alvo das interrupções voluntárias de gravidez (IVG), mas aqueles que a nossa lusa benevolência e falta de rigor quiser. Imagino um serviço de obstetrícia onde, no mesmo piso, se salvem, numa sala, fetos de 23-24 semanas e se "deitem para o balde", noutra sala, outros de 10 e mais semanas. Não posso deixar de ver em tudo isto um sintoma grave da esquizofrenia da nossa sociedade.

Pergunto por que não houve coragem para implementar no Serviço Nacional de Saúde a lei actual que é uma lei sensata e, se cumprida com rigor e honestidade, cobria todas as situações verdadeira- mente justificativas para a interrupção da gravidez. Mais uma vez me vem à ideia a nossa santa hipocrisia e a nossa ancestral tendência para o facilitismo e o "deixa andar"...

Como cidadão, vejo uma Europa sem criahças e um Portugal onde ter um filho é um acto de grande sacrificio. Vejo como seria bom para todos nós que as verbas que vão ser canalizadas para as IVG fossem para incentivar a natalidade. Como seria bom que todas as mães pudessem gozar os cinco meses de licença de parto, em vez de só uma minoria o fazer, com medo de perderem o emprego. Já nem falo em alargar para 9 ou 12 meses essas licenças, como fazem outros países da União Europeia, porque de nada serviria como se constata na nossa prática diária. Quanto dinheiro não se pouparia se as crianças pudessem estar no primeiro ano de vida no seio das suas famílias, sem necessidade de frequentar os infantários, que melhor seria se mudassem o nome para "infectários". Uma política de natalidade que obrigasse os empregadores a respeitar o direito da mãe ou do pai ao tempo de licença e que punísse severamente aqueles que não admitem ou despedem os pais nessas circunstâncias.

Peço desculpa por imaginar um tal país. Sei que ainda vivemos espartilhados por ideologias velhas e por um "politicamente correcto" pouco arrojado.. Eu, afinal, o que queria era uma sociedade maís justa e onde cada um fosse verdadeiramente responsável pelos seus actos- uma utopia que não se compadece já com rótulos de esquerda ou de direita. Afinal, o que é mesmo preciso é um Estado e um povo que decida finalmente pela Interrupção Voluntária da Apatia!

JOSÉ CARLOS PALHA (MÉDICO NEONATOLOGISTA) - GAlA
Público de 31 de Janeiro de 2007

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3 Comments:

At 4:36 da tarde, Blogger Afectos said...

Prof: pelo seu não e pelo meu sim -estamos empatados. De tudo isto que se discute agora só tenho um desejo - que se desenvolvam progressos políticos e sociais.

 
At 5:28 da tarde, Blogger Afectos said...

Está cada vez mais popular. Um bloguista no quinzenário regional (passo a publicidade) N do C.

 
At 6:17 da tarde, Blogger Professor said...

Fraco barómetro de popularidade! Mas obrigado pela referência.
Afectuoso abraço

 

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