PAUSA PARA CAFÉ E LEITURA
Um aparte: - Saíram recentemente dois livros de autor pombalense que, embora com paninhos quentes, nos levanta um pouco o véu que vem cobrindo a maneira como algumas famílias nativas e forasteiras enriqueceram. Refiro-me ao Na Terra do Meio-Boi e ao Na Terra da Meia-Vaca, de Maria Luís Brites, cara colega que muito prezo. Claro que o fito principal dos livros era falar de alcunhas, não de política económica local. Quer isto dizer que ainda há em Pombal gente que não alinha cegamente com este “neoliberalismo socialista e social-democrata” que nos governa, salvo seja. Perdoem-me os puristas o conceito antinómico atrás referido.
Tamanha volta só para ter pretexto de transcrever alguns parágrafos da Tieta, deliciosos de tão anti-feministas ou feministas em grau mais elevado, já que tal passagem se refere ao conselho de mulher madura, experiente e sabida.
«- Tieta! Mana!
Tieta aguarda na porta, imóvel, o rosto carrancudo, o olhar frio, hierática. Elisa estende os braços, suplica:
- Me leve com você, mana, não me abandone aqui...
-Já lhe disse...
- Eu quero ser puta em São Paulo. Não me importo.
Astério escuta, perplexo, uma pontada no estômago, a dor aguda. Tieta desvia os olhos da irmã para o cunhado, simpatiza com ele, o bobalhão:
- Cuida da tua mulher, Astério, bota ela na linha, ensina a te respeitar. Uma vez, já lhe disse o que tinha que fazer. Por que não fez?
- Mana, pelo amor de Deus, não me deixe aqui. - Elisa se ajoelha no chão, diante de Tieta.
- Leve ela embora e faça como eu lhe disse, Astério. É agora ou nunca. - Por um momento pousa os olhos na irmã e sente pena. - A casa fica com vocês. Se precisarem de alguma coisa é só mandar dizer. Elisa perde por completo o pundonor e a contenção:
- Me leve, Mãezinha, me bote em sua casa de raparigas.
Tieta olha para o cunhado: e então? Astério liberta-se da perplexidade, da dor de estômago, do preconceito, arranca a venda dos olhos, puxa a esposa pelo braço:
- Levanta! Vamos!
- Me solta!
- Levanta! Não ouviu?
Vibra-lhe a mão na cara. Tieta aprova com a cabeça.
- Obrigado, cunhada, por tudo. Até mais ver.
Empurra Elisa, siderada, em direcção à casa, uma das melhores residências da cidade, adquirida por Tieta para nela um dia vir esperar a morte, devagar, agora posta à disposição da irmã e do cunhado, em usufruto. De empurrão em empurrão, chegam ao quarto de dormir. Elisa tenta escapar:
- Não toque em mim.
O bofetão derruba-a na cama. A camisola enrola-se no pescoço, crescem os quadris na vista turva de Astério.
- Quer ser puta, não é? Pois vai ser é agora mesmo - estende a mão, arranca-lhe o trapo de náilon, a bunda inteira exposta, tanto tempo de jejum.
- Pra começar, vou te comer o rabo!
Um estremeção percorre o corpo de Elisa. Arregala os olhos. Repulsa, medo, espanto, curiosidade, expectativa? Heroína de novela de rádio, agitada por emoções contraditórias.
Ai, pelo amor de Deus! Esposa submissa, sobe de costas o abrupto passo, dobra os ombros sob o peso do lenho - entranhas de fogo e mel, vergalho desabrochando em flor, Elisa rompe a aleluia na noite de Agreste. Ai, o Taco de Ouro! »
TIETA DO AGRESTE
Jorge Amado
Etiquetas: Ferreira de Castro, Jorge Amado, Literatura, Maria Luís Brites, Pombal, Ponte do Lima
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