Blogue do Maia de Carvalho

POR TRÁS DE CADA GRANDE FORTUNA HÁ UM CRIME. Honoré de Balzac

terça-feira, setembro 01, 2009

Há 70 anos

Daí a poucos dias eu daria os meus primeiros passos sozinho, completaria um ano de vida. Lá longe na Polónia, começava a guerra, a chamada II Grande Guerra Mundial. Em Lisboa a rua onde morava no Bairro de Alcântara, ainda era de macadame, havia carroças e ferradores em quase todas as lojas e pátios que a compunham. Cá em baixo, junto à passagem de nível da linha dos caminhos de ferro, erguia-se um mercado onde se vendia de tudo numa construção muito bonita toda em ferro e vidro, que foi demolida nos anos cinquenta para dar origem à Avenida de Ceuta. Junto a ela havia homens de baraços de corda ao ombro que se alugavam para fazer transportes de mercadorias ou trastes pesados às costas. Começava lá a Calçada da Tapada onde, lá mais acima, junto a uma das entradas para a Tapada da Ajuda, ficava a escola, onde aprendi a ler e a escrever com o professor, Sr. Prudêncio, um professor negro, no longínquo ano de 1945, tinha acabado a guerra. Vi enterros passar na rua da escola, em carretas puxadas a cavalos, vestidos com arreios e colgaduras negras; vi, na mansarda do telhado da casa onde viviamos, os grandes rastos de luz dos holofotes que pesquisavam os céus em busca de possiveis ataques aéreos; vi camionetas e automóveis com cilindros enormes atrás ou ao lado da carroçaria, onde se queimava carvão de lenha que ia provocar o gás que substituia a gasolina que não havia; tive camisas costuradas pacientemente pela minha mãe,com a flanela dos filtros desse gás; vi as brochuras de propaganda de guerra, tanto dos aliados como dos alemães, que apareciam regularmente lá em casa; matei ratas à fisgada no caneiro de Alcântara, onde, a céu aberto, corriam os esgotos de grande parte da cidade. Enfim, tantas coisas que eu vi e vivi e fui feliz, mesmo quando lá fora, o Mundo parecia desabar.

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