Blogue do Maia de Carvalho

POR TRÁS DE CADA GRANDE FORTUNA HÁ UM CRIME. Honoré de Balzac

sábado, maio 23, 2015

CITANDO E COMENTANDO

Sempre tive uma enorme dificuldade em me sentir livre na sociedade. Achei e acho a vivência social sempre potencialmente coerciva sobre o meu eu mais profundo, limitadora de mim e, por isso, muitas vezes me senti fora, apenas como espectador do desempenho social do Homo sapiens e quase sempre no outro lado da barricada. Dominar o mundo natural, apropriar-se dos seus tesouros não é tarefa que me atraia. Viver é estar conforme o mundo natural;  reptá-lo ou simplesmente apoderar-me das suas riquezas, enriquecer, é privar outros homens, que têm sobre elas os mesmos interesses que eu, do seu quinhão.
Residirá nisto a minha misantropia? Talvez. Mas se continuarmos, como até aqui,  a fazer um uso e uma transformação excessiva do nosso habitat estamos a contaminar e mesmo a impossibilitar o nosso percurso evolutivo. Breve, como outras espécies que nos antecederam, estaremos extintos.
O pequeno texto que transcrevo em seguida, coloca-me pensamentos bastante desanimadores:
« Já não há pessoas, há tipos, tipos estes  que «hão-de dimensionar-se e colorir-se segundo os preceitos dos fabricantes de produtos dietéticos ou bronzeadores ou rejuvenescedores». Tal como uma máquina, o homem-massa entrega-se passivamente - e alegremente - às piores tropelias e torturas. Esta entrega resulta de algumas incapacidades, tais como: «não distinguir entre som e ruído»; ter «unicamente uma visão fotográfica da realidade» (ele mata a beleza particular do momento com a sua máquina fotográfica); perdido o sentido da habilidade manual, tender a substituí-la «pela coordenação simiesca entre os pés e as mãos». Além de tudo isto, o homem-massa é escravo. A escravidão «nunca foi eliminada em substância, mas sim realmente socializada». Hoje, o homem-massa tornou-a «imperceptível, anestesiando-se contra ela». A morte e o nascimento foram transferidas «para determinados cárceres», longe portanto da «sua casa funcional» - como em algumas tribos primitivas, certos lugares em que se «confinavam moribundos e parturientes, para enganar a impureza». O homem-massa, em quase todos os aspectos da sua vida, trabalho, doença, velhice, exército, até divertimentos, tende a constituir-se, com outros, em aglomerações de escravos, permanecendo incapazes de dar-se conta dessa situação. O «especialista» constitui para o  homem-massa, uma forma «menos evidente de escravidão». Para o especialista, quem carece do seu ofício «aparece-lhe como coisa, nunca como pessoa (nunca como «próximo», por um afastamento necessário que o proíbe)»; o especialista manda, sendo por sua vez mandado pela organização a que pertence. Por sua vez a administração é conduzida pelo «director supremo ou o chefe», que como entidade «se assemelha a uma cabeça acéfala»: «O homem-massa prefere que este seja um deficiente com todos os caracteres de homem-massa. (Lemos outro dia, numa revista estrangeira de grande circulação, esta referência a um político norte-americano: «...apesar de ser um intelectual, goza da confiança do americano médio». Para os postos supremos do governo não se exige qualquer especialidade; este é um dos mistérios da fé do homem-massa».